sábado, 22 de agosto de 2015

UM BELO CONTO DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

O Desafio


Um publicitário morreu e, como era da área de atendimento e mau para o pessoal da criação, foi para o inferno. O Diabo, que todos os dias recebe um print-out com nome e profissão de todos os admitidos na data anterior, mandou que o publicitário fosse tirado da grelha e levado ao seu escritório. Queria fazer-lhe uma proposta.Se ele aceitasse sua carga de castigos diminuiria e ele teria regalias. Ar-condicionado, etc.


— Qual é a proposta?

— Temos que melhorar a imagem do inferno — disse o Diabo. — Falam as piores coisas do inferno. Queremos mudar isso.

— Mas o que é que se pode dizer de bom disto aqui? Nada.

— Por isso é que precisamos de publicidade.

O publicitário topou. Era um desafio. E as regalias eram atraentes. Quis saber algumas coisas que diziam do Inferno e que mais irritavam o Diabo.

— Bem. Dizem que aqui todos os cozinheiros são ingleses, todos os garçons são italianos, todos os motoristas de táxi são franceses e todos os humoristas alemães.

— E é verdade?

— É.

— Hmmm — disse o publicitário. — Uma das técnicas que podemos usar é transformar desvantagem em vantagem. Pegar a coisa pelo outro lado. Sua cabeça já estava funcionando. Continuou:

— Os cozinheiros ingleses, por exemplo. Podemos dizer que a comida é tão ruim que é o local ideal para emagrecer. Além de tudo, já é uma sauna. 

— Bom, bom.

— Garçons italianos. Servem a mesa pessimamente. Mas cantam, conversam, brigam. Isto é, ajudam a distrair a atenção da comida inglesa.

— Ótimo.

— Motoristas franceses. São mal-humorados e grosseiros.Isso desestimula o uso do táxi e promove as caminhadas. É econômico e saudável. Também provoca a indignação generalizada, une a população e combate a apatia.

— Muito bom!

— Uma situação que não seria amenizada pelos humoristas. Os humoristas, como se sabe, não têm qualquer função social. Eles só servem para desmobilizar as pessoas, criar um clima de lassidão e deboche, quando não de perigosa alienação. Isto não acontece com os humoristas alemães, cuja falta de graça só aumenta a revolta geral, mantendo a população ativa e séria.

O alívio é dado pelos garçons italianos.

— Perfeito! — exclamou o Diabo. — Já vi que acertei.

Quando podemos começar a campanha? 

— Espere um pouquinho — disse o publicitário. — Temos que combinar algumas coisas, antes. Por exemplo: a verba.

— Isto já não é comigo — disse o Diabo. — É com o pessoal da área econômica. Você pode tratar com eles. E aproveitar para acertar também o seu contrato. Com isto o Diabo apertou um botão intercomunicador vermelho que havia sobre a sua mesa e disse:

— Dona Henriqueta, diga para o Silva vir até a minha sala.

— Silva? — estranhou o publicitário.

— Nosso gerente financeiro. Toda a nossa economia é dirigida por brasileiros.

Aí o publicitário suspirou, levantou e disse:

— Me devolve pra grelha...

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