segunda-feira, 25 de julho de 2016

SEGREDOS DE MINHA LANCHEIRA


Autor: Carlos Delano Rebouças

Muito feliz fiquei naquela noite de domingo, véspera do reinício das aulas, ao ganhar de meus pais a tão sonhada lancheira escolar, embora já estivéssemos aguardando o primeiro dia de aula após as férias de julho. Foi a primeira lancheira que possuía na minha vida. Nunca, ao longo dos meus 11 anos de idade e já no 5º ano do ensino fundamental, imaginava ganhar um presente tão sonhado e ao mesmo tempo tão tardio, pois essa fase já se passara e meus pais sequer sabiam.

Depois de um rápido banho, daqueles que não molham o corpo inteiro, sentei-me á mesa para tomar o café da manhã com meus pais e meu irmão Lucas. Luquinhas, como era tratado por todos, ainda não iniciara a sua vida escolar, apesar de já ter idade de pré-escolar.

A expectativa era grande em saber o que minha amada mãe colocou naquela lancheira estreante na minha vida, pois nem podia imaginar, pois já estava preparada antes mesmo da mesa ser posta para o nosso café da manhã tradicional, daqueles que não se ver mais acontecer nos lares brasileiros. Minha mãe sabia que minha curiosidade seria tamanha e tratou de preparar meu lanche antes mesmo do meu despertar.

Embora curioso, não busquei em momento algum saber o que tinha naquela lancheira. Certamente minha mãe não poderia gostar de ser indagada sobre o cardápio do dia, mas de onde tirei essa conclusão, diante de uma situação tão comum? Por que minha obstinada mãe hesitaria em me dizer o que levava para escola como lanche? Por que entender que se trataria de uma informação confidencial a se ter no intervalo de aula, pois, ao deixar a minha casa a caminho da escola, poderia abrir a lancheira e saber o que tinha no seu interior?

Preferi resguardar o mistério, pois eu, o mais curioso e interessado em saber, disse a mim mesmo, naquela longa caminhada até a escola, que me seguraria até o toque do intervalo.

Chegando à escola, logo aquela lancheira pendurada em meu obro pela sua alça chamou atenção de todos. Inevitavelmente, vi olhares de espanto misturados com risos debochados, como se perguntassem: “Por que veio de lancheira, se não estás mais no jardim da infância”? Atitudes de colegas que se repetiram por todos até a hora do recreio.

Ao toque da sirene que anunciava o recreio e em meio a tanta correria, fiquei esperando a sala se esvaziar. Queria, sem expectador nenhum a testemunhar, desbravar aquela lancheira que esperei 11 anos para ser dono de uma. Queria ter o prazer de dizer que um dia a possuí, mesmo sabendo que por ela fui vítima de “bullyng”, mas que não me importou tanto assim. O que mais me importava era saber o que tinha de lanche dentro daquela lancheira e nada mais.

Vagarosamente e com as mãos trêmulas e suadas, abri a lancheira como se fosse um apresentador abrindo um envelope anunciando o vencedor de um concurso de calouros. Olhos arregalados e olfato ativado, prontos, para a grande descoberta. Aberta a lancheira, vi que tinha dois recipientes dentro, um para líquido e outro para sólido. Pensei: “deve ser um suco de acerola, daquelas do nosso quintal e um sanduíche de ovo de galinha matriz”. Esse era o lanche de sempre que fazíamos na nossa casa e mais do que esperado ser o que tinha naquela misteriosa lancheira.

Sem perder mais tempo, já que o recreio estava prestes a terminar, abri o recipiente liquido e para a minha surpresa, era refrigerante. Lágrimas escorriam de felicidade em meu rosto, pois era aquela bebida que há tempos não tomava. Na última vez, foi no aniversário de meu irmão Luquinhas, e já se passavam 02 anos antes de mudarmos para a comunidade da Ribeirinha, onde energia elétrica ainda não tinha chegado. Não tínhamos como conservar refrigerante em geladeira, pois não a possuíamos. Porém, naquele dia, mesmo em sua condição natural, minha mãe pôs na minha lancheira.

Faltava saber qual seria o alimento sólido, que desconfiava ser um sanduíche de ovo. O cheiro era maravilhoso e não dava indícios de imaginar o que seria, embora existisse a possibilidade de ser, pois meu olfato parecia predestinado a identificar somente alimentos preparados com ovos. Sem perder tempo, ao abrir aquele saco de plástico que o embrulhava, tendo ainda um papel laminado que o envolvia, não tive como conter a minha felicidade. Um largo sorriso estampou-se no meu rosto, ao ver o que minha mãe tinha preparado para mim. Vi que se tratava de um belo sanduíche de ovo, acompanhado de um bilhetinho que dizia:

“Meu filho, bom retorno às aulas; que continue a ser esse filho estudioso, educado, humilde e, acima de tudo, compreensivo; que sempre entendeu as nossas condições financeiras e compreende que tudo é feito com muito esforço. Aproveite muito bem essa sua lancheira e o que preparei para você, sempre na fé que Deus irá abençoar nossas vidas e podermos preparar sempre o seu lanche diário, independente de seu cardápio. Bom apetite!”.

Não tive como conter minhas lágrimas. Foi o melhor presente que recebi em toda a minha vida. Nunca um segredo teve tanto prazer em ser desvendado e jamais causou tanta felicidade, quanto os contidos na minha lancheira. Pude, além de descobrir o cardápio do lanche do dia, ratificar ainda mais a mãe e a família maravilhosa que Deus tinha me presenteado. Existe presente maior?

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