domingo, 4 de setembro de 2016

LEMBRANÇAS DE MORRER

Eu deixo a vida como deixa o tédio 
Do deserto, o poento caminheiro, 
- Como as horas de um longo pesadelo 
Que se desfaz ao dobre de um sineiro; 

Como o desterro de minh’alma errante, 
Onde fogo insensato a consumia: 
Só levo uma saudade - é desses tempos 
Que amorosa ilusão embelecia. 

Só levo uma saudade - é dessas sombras 
Que eu sentia velar nas noites minhas. 
De ti, ó minha mãe, pobre coitada, 
Que por minha tristeza te definhas! 

Se uma lágrima as pálpebras me inunda, 
Se um suspiro nos seios treme ainda, 
É pela virgem que sonhei. que nunca 
Aos lábios me encostou a face linda! 

Só tu à mocidade sonhadora 
Do pálido poeta deste flores. 
Se viveu, foi por ti! e de esperança 
De na vida gozar de teus amores. 

Beijarei a verdade santa e nua, 
Verei cristalizar-se o sonho amigo. 
Ó minha virgem dos errantes sonhos, 
Filha do céu, eu vou amar contigo! 

Descansem o meu leito solitário 
Na floresta dos homens esquecida, 
À sombra de uma cruz, e escrevam nela: 
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
Álvares de Azevedo

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