quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

A LAGOA DO HIPÓLITO



Carlos Delano Rebouças

Hipólito era um senhor de 87 anos de vida, que há décadas, como de costume, mantinha a sua rotina semanal de pescar na lagoa de sua pequena cidade. A pesca para ele era bem menos que uma necessidade; significava um hobby que lhe servia de terapia, de descanso, e porque não, de fuga de um mundo que não o poupou de desilusões.

Viúvo há 22 anos, pai de três filhos os quais não os via desde o réveillon, pois só aparecem nas festas de final de ano, Hipólito já se animava com o retorno deles e de suas famílias, pois quase um ano já se passava e o bom velhinho já anunciava a sua chegada. Assim alimentava seu sonha a cada dia do ano, em meio a uma alegria disfarçada e silenciosa, sentando na sua cadeirinha à beira da sua companheira lagoa, para não afugentar os raros peixes que eram fisgados pelo seu anzol.

Costumava chegar cedo ao seu local de sempre, à beira daquela imensa lagoa, de calmaria ímpar, cercada de uma vegetação que relutava em se manter viva, verde e florida. Sob o canto dos pássaros, recebia o bom-dia da natureza nos primeiros raios surgidos. Logo preparava as iscas, checava a linha e sua vara de pescar, e sem demora, lançava a linha ao centro da lagoa. Depois de fixar a vara em uma base improvisada no chão, Hipólito ali ficava por longas horas pensando na vida e nos filhos, e bem menos no peixe que dificilmente fisgava. Às vezes, voltava para casa de isopor vazio, sem iscas e peixes, mas com a mente e o coração revitalizados de boas recordações.

Porém, numa certa manhã de um sábado, dia preferido por Hipólito para a sua pescaria, foi que tudo parecia mudar. Ao chegar a sua fiel companheira de infância, que o banhava desde pequenino e o alimentava e a toda comunidade com os muitos que viraram poucos peixes ao longo dos anos, teve uma surpresa nada agradável. Não imaginava ver o que seus olhos jamais queriam enxergar.

Aquela bela lagoa de seu Hipólito, de águas cristalinas, em meio a um verde sem igual, não mais assim era; Ela estava barrenta, fétida e repleta de peixes mortos. O verde que a cercava não mais era visto; apenas galhos e troncos de árvores retorcidos sem o canto dos pássaros que as tinham como morada. Parecia outro lugar, inimaginável para Hipólito, que, pasmado, enxugava suas lágrimas e engolia silenciosamente seu choro, como se perdesse quem mais amava em sua vida.

Sem demora chegaram algumas moradores da região tão surpresas quanto ele. Amigos da comunidade que também se questionavam sobre o que havia acontecido com o maior patrimônio da pequena cidade. Ninguém parecia ter respostas; perguntas, bem menos. O silêncio espantoso tomava conta de todos que se aglomeravam à beira da lagoa que não permitia mais tanta aproximação, entre lamentações e revolta.

De repente, surge a resposta que todos buscavam. Chega um senhor se dizendo que a barragem da usina que avizinhava a lagoa se rompera, causando enormes prejuízos ambientais, pois houve o escoamento de produtos químicos extremamente prejudiciais à fauna e a flora da região.

Diante do que foi dito por aquele homem, em meio à revolta de toda comunidade, Hipólito saiu em passos lentos, com seu kit de pesca e isopor nas mãos, cabisbaixo, silenciosamente em direção a sua casa. A sua pescaria não mais haveria.

Sem caminhar muitos metros, foi parado por um amigo, Jaime, que logo foi lhe perguntando:

- E agora, Hipólito, o que será de todos nós sem a nossa lagoa?

Hipólito, objetivamente, respondeu, com uma voz embargada, num misto de tristeza e revolta:

- Infelizmente não temos muito a fazer, somente a lamentar. Como a nossa velha lagoa, tantas outras têm o mesmo fim ante a ambição do homem e a sua irresponsabilidade. Diversos rios, lagos e lagoas são assassinados no Brasil e quem mais sofre com isso é a mãe natureza.

Ouvindo aquilo de Hipólito, Jaime boquiaberto faz a sua última pergunta:

- E sua pescaria de todos os sábados, Hipólito?

O velho homem responde:

- Sobre a pescaria, acho que não mais a farei. Meu kit de pesca será guardado, quem sabe, para uma nova lagoa que surgir na minha vida. Mas de uma coisa eu tenho absoluta certeza: Meus filhos logo estarão chegando e juntos iremos sempre nos lembrar de todos os bons momentos proporcionados pela nossa lagoa, eternizada em nossas vidas. 

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